Carta de Natal do Menino Mort0 por Leoa é Divulgada: ‘Ele Pediu Que…Ver mais
O fim de ano costuma ser um período de balanços, reencontros e desejos renovados. Em meio às mensagens tradicionais de Natal, algumas histórias se destacam não pela grandiosidade, mas pela força silenciosa que carregam. É o caso de Gerson de Melo Machado, conhecido como Vaqueirinho, jovem paraibano que morreu aos 19 anos e deixou registrada, anos antes, uma carta simples que hoje provoca reflexões profundas sobre abandono, saúde mental e responsabilidade do Estado.
O texto, escrito ainda na adolescência e intitulado “Desejo do Coração”, foi divulgado recentemente nas redes sociais pela conselheira tutelar Verônica Oliveira e ganhou grande repercussão. A carta veio à tona semanas após a morte de Gerson, ocorrida no mês passado, quando ele entrou em um recinto de animais no Parque Zoobotânico Arruda Câmara, em João Pessoa, e foi atacado por uma leoa. O episódio chocou o país, mas foi o conteúdo da carta que revelou uma dimensão ainda mais sensível de sua trajetória.

Uma carta simples que revelou uma história marcada pela ausência
Na carta, Gerson não pediu presentes, bens materiais ou privilégios. Seu desejo era direto e comovente: felicidade, carinho e a presença da mãe. Ele escreveu sobre a vontade de receber visitas, afeto e atenção, expondo uma carência emocional profunda. Segundo a conselheira tutelar, a mãe do jovem enfrenta graves problemas de saúde mental, com diagnóstico de esquizofrenia, o que levou à perda do poder familiar sobre os cinco filhos.
Enquanto os irmãos de Gerson foram adotados e passaram a viver com novas famílias, ele permaneceu sob tutela do Estado. Essa condição marcou toda a sua infância e adolescência, com passagens por instituições de acolhimento e unidades socioeducativas. Educadores que acompanharam o jovem relataram que a carta foi produzida como parte de uma atividade escolar, mas chamou atenção justamente pela ausência de pedidos materiais e pela ênfase no afeto.
Para os profissionais, o texto refletia não apenas um desejo natalino, mas uma tentativa de ser visto, reconhecido e amado. A escrita, segundo eles, revelava necessidades emocionais não atendidas e uma busca constante por pertencimento e identidade.
Sonhos, conflitos e um diagnóstico tardio
Apesar das dificuldades, Gerson demonstrava vontade de construir um futuro. Na carta, ele mencionou o desejo de trabalhar e contribuir com a sociedade, citando profissões como policial, agente florestal ou veterinário. Também agradeceu o apoio recebido de educadores e equipes durante períodos de internação e privação de liberdade, demonstrando consciência sobre os desafios que enfrentava.
O jovem teve histórico de repetidas apreensões ainda na adolescência e, já adulto, passou por novas ocorrências policiais, geralmente relacionadas a comportamentos impulsivos e danos ao patrimônio. Apenas posteriormente recebeu o diagnóstico de esquizofrenia, o que mudou a forma como sua conduta passou a ser compreendida por quem o acompanhava.
De acordo com Verônica Oliveira, Gerson relatava sentir segurança apenas dentro de instituições. Para a conselheira, muitos de seus atos não eram sinais de rebeldia ou desinteresse pela vida, mas expressões de sofrimento psíquico profundo e falta de acompanhamento adequado. O diagnóstico tardio contribuiu para que ele transitasse por diferentes sistemas — socioeducativo, de saúde e de assistência social — sem uma resposta integrada às suas necessidades.
Um alerta sobre falhas na rede de proteção social
A carta termina com um simples desejo de Feliz Natal e um agradecimento às pessoas que o apoiaram ao longo do caminho. Hoje, o documento ganhou um significado que vai além da memória individual de Gerson. Para especialistas e profissionais da área social, ele se tornou um símbolo das fragilidades estruturais da rede de proteção a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade.
A conselheira tutelar destaca que o caso evidencia a falta de políticas públicas eficazes para jovens com transtornos mentais severos, especialmente aqueles que crescem sem vínculos familiares estáveis. A ausência de diagnóstico precoce, acompanhamento contínuo e integração entre saúde, assistência social e educação são apontadas como fatores determinantes para trajetórias marcadas pela exclusão.
Mais do que relembrar uma tragédia, a carta de Gerson de Melo Machado convida à reflexão sobre o que ainda falha no cuidado com jovens invisibilizados pelo sistema. Seu “desejo do coração”, escrito com poucas palavras, permanece como um apelo silencioso por afeto, dignidade e atenção — valores que, para muitos, continuam sendo um pedido urgente, mesmo fora das datas festivas.