O Brasil se despede de uma de suas mais importantes referências religiosas, espirituais e culturais. A morte de Carmen Oliveira da Silva, conhecida como Mãe Carmen de Oxaguian, provocou comoção nacional e mobilizou homenagens de autoridades, artistas e líderes religiosos. A ialorixá faleceu na última sexta-feira (26/12), em Salvador, aos 98 anos, às vésperas de completar 99.
Entre as manifestações públicas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lamentou profundamente a perda e destacou o papel essencial de Mãe Carmen na preservação da espiritualidade africana no país. Em nota, Lula ressaltou que ela manteve viva a “chama da ancestralidade africana”, exercendo influência direta na formação da identidade cultural brasileira.

Guardiã de uma herança histórica do Candomblé
Mãe Carmen estava internada havia cerca de duas semanas no Hospital Português, tratando complicações decorrentes de uma forte gripe. Sua trajetória, no entanto, atravessou quase um século de dedicação ininterrupta ao Candomblé, carregando em sua própria história a continuidade de uma das linhagens mais respeitadas da religião no Brasil.
Ela era a filha mais nova da lendária Mãe Menininha do Gantois, figura central na projeção internacional do Candomblé e responsável por transformar o Terreiro do Gantois em um símbolo de resistência religiosa, cultural e social. Mãe Menininha foi conselheira de grandes intelectuais, artistas e autoridades, consolidando o terreiro como um espaço de diálogo e respeito inter-religioso.
Iniciada ainda criança, aos 7 anos, para o orixá Oxaguian — uma das manifestações jovens de Oxalá —, Mãe Carmen dedicou toda a sua vida aos rituais, fundamentos e ensinamentos da tradição afro-brasileira, mantendo rigor absoluto no cumprimento dos preceitos da casa.
Liderança espiritual e continuidade do Gantois

Após a morte de sua irmã, Mãe Cleusa, Mãe Carmen assumiu a liderança do Terreiro do Gantois, dando continuidade ao legado familiar. Sob sua condução, o terreiro permaneceu como um importante espaço de acolhimento espiritual, formação religiosa e preservação da memória africana no Brasil.
Reconhecida por sua serenidade, discrição e firmeza, ela era vista como uma verdadeira guardiã da sabedoria ancestral. Sua postura equilibrada e seu profundo conhecimento dos rituais fizeram com que fosse respeitada não apenas dentro do universo religioso, mas também nos meios acadêmicos, culturais e institucionais.
O Terreiro do Gantois, fundado em 1849, é considerado patrimônio histórico e cultural, sendo um dos mais antigos e simbólicos espaços do Candomblé no país. A sucessão de uma ialorixá é um processo sagrado, complexo e silencioso, guiado pelas tradições internas da casa e pela consulta aos oráculos, especialmente o jogo de búzios.
Comoção e homenagens marcam despedida em Salvador
A morte de Mãe Carmen, ocorrida poucos dias antes de seu aniversário, marca simbolicamente o fim de uma era. Em Salvador, autoridades, artistas, religiosos e devotos se reúnem para prestar as últimas homenagens, deixando mensagens de despedida e reconhecimento por sua trajetória.
Mais do que uma líder religiosa, Mãe Carmen de Oxaguian é lembrada como símbolo de resistência cultural, preservação da ancestralidade africana e fortalecimento da identidade brasileira. Sua partida deixa um vazio profundo, mas também um legado que continuará vivo nos rituais, ensinamentos e na história do Candomblé no Brasil.