Um dia depois da operação policial mais letal já registrada no Rio de Janeiro, os bastidores do Supremo Tribunal Federal (STF) foram tomados por avaliações críticas ao discurso do governador Cláudio Castro (PL-RJ). A leitura entre ministros é de que o governo fluminense tenta novamente transferir para a Corte a responsabilidade pelos problemas de criminalidade do estado.
Um integrante do STF ouvido reservadamente apontou uso político da operação. E, enquanto a pressão aumenta, o balanço oficial de mortos foi atualizado para 121.

Falas duras no plenário e tensão com o Palácio Guanabara
Havia expectativa de um pronunciamento do presidente do STF, Edson Fachin, no início da sessão — especialmente por ele ter sido o relator da ADPF das Favelas, que determinou medidas de controle da letalidade policial, como câmeras corporais, relatórios de transparência e planos de redução de mortes.
Fachin, porém, manteve silêncio e levou a plenário dois temas conexos: a responsabilidade civil do Estado por danos causados por policiais em manifestações e o direito ao silêncio do preso desde a abordagem, não apenas no interrogatório formal.

Outros ministros falaram. Flávio Dino classificou a operação como “trágica” e advertiu contra a tentação de “discursos fáceis” em momentos de crise. “Não se pode legitimar o vale-tudo, com corpos estendidos e jogados no meio da mata”, afirmou. Gilmar Mendes chamou o episódio de “lamentável” e defendeu uma jurisprudência equilibrada: reconhecer a necessidade eventual de ações policiais, sem tolerar abusos nem violações de direitos fundamentais.
Atualização do saldo e disputa de narrativas
No campo dos fatos, o governo do estado atualizou o número de mortos para 121 — dado que substitui estimativas superiores divulgadas nas primeiras horas. A operação, que mobilizou uma força de grande porte e foi apresentada como resposta ao avanço territorial do crime organizado, rapidamente se tornou símbolo de disputa política: de um lado, o Executivo fluminense insiste que regras impostas pelo STF dificultam ações; de outro, a Corte e órgãos de controle enfatizam que limites e transparência são essenciais para frear a letalidade e preservar direitos.

O governador Cláudio Castro chegou a classificar a ação como “maldita”, ao mesmo tempo em que reiterou críticas às determinações judiciais. Entre ministros, a avaliação é que culpabilizar o STF pela crise de segurança pública desvia o foco de políticas integradas e sustentáveis de prevenção, inteligência e controle territorial.
Moraes cobra explicações e próximos passos jurídicos
Em viagem à Espanha, Alexandre de Moraes assumiu a relatoria de processo que antes estava com Luís Roberto Barroso e determinou que as autoridades fluminenses prestem informações detalhadas sobre a megaoperação: planejamento, execução, cadeia de comando, protocolos de uso da força e preservação de cenas de crime. A medida abre caminho para controle judicial mais estrito sobre procedimentos e para eventual aprimoramento de parâmetros da ADPF das Favelas.
Enquanto famílias aguardam respostas e investigações avançam, o número reconhecido oficialmente — 121 mortos — impõe ao país um dilema que transcende estatísticas: como enfrentar o crime sem romper com a legalidade e a dignidade humana. No STF, a mensagem que ecoa é a de que segurança pública e direitos fundamentais não são agendas excludentes — e que o Estado deve responder por ambos.